Género: Acção; Drama; Terror; Ficção Científica.
Demografia: Seinen; Eichi.
Director: Kõ Matsuo
Escrito por: Hiroya Oku
Estúdio: GONZO
Lançamento: De 12 de Abril de 2004 a 18 de Novembro de 2004.
Duração: 26 episódios
"Give me a break. He’s only a homeless guy. Idiot. Who’s stupid enough to help? Even if you say so, you’re the one who lacks common sense."
Dois antípodas formulam uma dupla que na infância teve a geratriz das suas raízes: um egoísta Kei Kurono, ainda que atento aos pareceres circundantes e Masaru Kato, um irredutível humanitário sendo este bem mais alheio ao julgamento de desconhecidos.
A série inicia-se com a morte de ambos os protagonistas, curiosamente.
Seguidamente ambos alinharão num jogo semi-póstumo, devidamente munidos de um equipamento futurista destinado a exterminar a ameaça imposta por entidades alienígenas, camufladas na sociedade.
O primeiro episódio está particularmente bem conseguido com a descarga psicológica existente em torno da queda de um sem-abrigo na linha do metro e quais as reacções primárias dos presentes. Diria mesmo que esta cena é a melhor em todo este anime, defendida a um nível excelente.
O início prima de facto pela originalidade mas acaba por enveredar por um caminho em certa medida abstracto, transitando este trabalho de uma profundidade psicológica consistente para uma linha mais pretensiosa onde o fundo do poço acaba inevitavelmente por ser bem mais raso do que aquilo que à partida aparenta ser.
Ainda assim, eclode o puzzle de Gantz onde pertinentes regras continuam a captar de forma incondicional, a nossa atenção.
Depois de uma trágica morte, Kurono e Kato despertam no interior de um apartamento sem mobília. Não estarão sozinhos.
Um conjunto de pessoas, também mortas em teoria, surge em torno de uma esfera metálica inserida no centro da sala.
É precisamente essa esfera quem concede o equipamento e imaginem, um homem habita no seu interior, ligado a uma máscara de respiração estando aparentemente adormecido.
Quem é o sujeito na esfera?
De onde veio a esfera?
Afinal toda aquela gente… morreu? Ou não?
As perguntas acumulam-se à medida que a trama dá forma ao seu real contorno e começa-se a partir daí a gerar uma nova, assaz e pertinente questão: irá Gantz responder assertivamente a tudo isto?
"Your lifes has ended and now belongs to me."
A mensagem da esfera é avassaladora e estabelece o princípio de uma comunicação que se revelará ser bem mais constante do que aquela que a um primeiro olhar consideraria.
E as regras não são a brincar, mesmo! Um campo de jogo com uma área limítrofe é delineado e caso um jogador ultrapasse a marca imposta, este será imediatamente trucidado por um estranho laser proveniente do céu. Bonito!
Ainda que o verdadeiro objectivo do jogo não seja claro, a mensagem para os jogadores é não só clara como ainda adiciona ao termo um “íssima”: Viver ou morrer.
A desistência é opcional na medida em que o preço a pagar é a extinção. Caso joguem, a morte continua a ser uma terminologia provável. Caso não sejam mortalmente atingidos e consigam concluir a missão, então (e mediante o desempenho individual) cada jogador irá adquirir uma pontuação que cumulada até 100 lhe concederá uma segunda oportunidade em vida e, consequentemente, a libertação face ao jogo…
Mas a cada missão que decorre a dificuldade torna-se crescente, ao ponto de hardcore se tornar num tímido adjectivo.
Um detalhe delicioso incide no fim de cada missão e após a atribuição, pela esfera, das pontuações devidas: os sobreviventes são dispensados e retornam às suas casas e vidas… até nova convocação. Na realidade as personagens aparentam ser (em génese) meros hologramas, dada a forma como são abruptamente convocadas para a sala da esfera ou como são colocadas e retiradas do campo de jogo.
Qual a conexão do homem da máscara com a esfera que lhe serve de albergue?
Isto não é referido no jogo mas eu calculo que seja bastante mais directa a relação do que aquilo que ao início terei pensado. Senão vejamos, a esfera adjectiva os desempenhos, tem sentido de humor e tem até mesmo um comportamento sádico (algo muito pouco inorgânico se é que me entendem).
Faz sentido conjecturar que, eventualmente, aquele homem adormecido tem uma relação directa com Gantz (a esfera, o jogo). Como se procedeu a esta ligação? Talvez só com a manga o venhamos a saber. Eu pessoalmente, não me senti motivado por Gantz ao ponto de a seguir.
Uma última referencia na história ao curioso mote: a humanidade será extinta em menos de uma semana devido a uma razão desconhecida. Isto tem, acredito, uma ligação directa com o crescente grau de dificuldade das missões.
O final da série não nos dará no entanto muitas das respostas que pretendemos.
As entidades alienígenas, não obstante as suas diversas formas são na minha opinião uma sátira à própria sociedade e os seus comportamentos são no mínimo caricatos. Curioso também atentar que os inimigos mais poderosos são também aqueles que de algum modo estão ligados à simbologia da própria religião.
Gantz poderá ser um ritual sádico engendrado por uma mente poderosa mais retorcida. Poderá ser, como o diz ser, uma resposta de alguém a uma operação de infiltração alienígena.
Poderá ser apenas e simplesmente apenas um jogo, dentro de um outro jogo. As questões e hipóteses multiplicam-se sem nunca indicar o caminho de resolução mais conveniente.
Não posso deixar de referir um último dado: Kurono em determinada altura regressará ao metro, revendo a cena inicial e encontrando nesta aspectos curiosos – as pessoas presentes, muitas delas acabaram por ser as colegas no jogo que enfrentou.
E nesta ponte entre início e fim, coloca-se em órbita nova indagação: é ainda Gantz, um processo mental que em velocidade vertiginosa retrata toda uma realidade alternativa?
Uma realidade que em última instância terá admitido a inevitabilidade da própria morte, mas formulado em simultâneo um caminho improvável de fuga à mesma?
Será Gantz um simples hino ao inconformismo quando a percepção de Kurono lhe brame um angustiante “isto és tu a morrer”?
Surpreendam-se.
Ambiente/cenário
Já anteriormente dei a noção de que este Anime decorre nos dias correntes mas com fortes componentes futuristas. A noite terá sem dúvida maiores privilégios pois grande parte da série decorre nessa mesma fase do dia.
Acrescento a isto o seguinte: Irei sempre imaginar Gantz enquanto uma caixa fechada a todo o perímetro como se tratasse de uma daquelas fábricas industriais dos primeiros tempos da Ford – remuneração e alojamento. Disposição de lojas internas para abastecimento da mão-de-obra e absorção do capital da mesma, ou seja, um circuito de capital fechado onde o mesmo é libertado e absorvido num quase absoluto retorno, glorificando o expoente máximo do lucro onde o trabalho qualificado dá frutos a um custo mínimo.
Reparem que isto não se trata de uma crítica mas de uma analogia referente à essência da animação em si: temos um espaço imutável, um conjunto de personagens correlacionadas e um pós-destino comum. Gantz processa-se quase sempre entre o espaço interno não mobilado de uma residência e quando a mesma se abre ao mundo sentimos uma outra barreira em torno daquela mesma área – um cubo menor inserido dentro de um maior.
Uma lógica de animação no mínimo interessante.
Personagens
Os dois estudantes Kei Kurono e Masaru Kato alinharão nesta missão sobretudo ao lado de uma rapariga enigmática, Kei Kishimoto. Ela doará voluntariamente o seu coração a um dos dois, gesto que parecerá ser recíproco. Um triângulo amoroso ganha consistência contribuindo para a formulação de um conteúdo bem menos infantil. Cenas de nudez ou de expressivos actos sexuais marcarão presença.
Kurono, Kato e Kishimoto formam a vanguarda de um significativo conjunto de personagens. Os traços psicológicos servem-lhes bem e mesmo as figuras de segunda linha detêm aspectos muito bem conseguidos e devidamente contextualizados para a realidade que enfrentam.
Kei Kurono em particular surge como que um antípoda de Masaru Kato: é egoísta e ciumento e revolve numa boa dose de perversidade. Tem a mente mais retorcida dos três e desenvolve um desejo sexual constante por Kishimoto. Já Masaru é o típico idealista, defensor de um mundo melhor, detendo um carácter bom e de auto-sacrifício pelos que o rodeiam. Masaru é o que melhor detém os traços de líder mas a sua adoração por Kurono e a sua falta de pragmatismo em detrimento do companheiro reduzir-lhe-ão dimensão e influência na história.
Kei Kishimoto é talvez o caso mais caricato na medida em que atesta bem uma faceta de Gantz (a esfera) – esta pode cometer erros pois Kishimoto falhara a sua tentativa de suicídio, algo que faz com que passem a existir duas Kishimotos na história: a sobrevivente (verdadeira e original Kishimoto) e a que não passa de uma cópia, reforçando a minha teoria quanto aos hologramas.
Isto despoletará mais uma problemática a juntar a muitas outras, sendo que Kei Kishimoto, a cópia, é tão humana quanto a primeira.
Lutas
Bem conseguidas em alguns momentos.
A impotência humana em certas situações está bem evidenciada (mesmo estando os personagens acompanhados pelo último grito da tecnologia).
O rubro líquido da vida fluirá abundantemente e algumas cenas terão mesmo sido criticadas pelo excesso de violência. Quanto a mim já vi coisas muito piores na TV mas talvez não seja de facto a série mais recomendada a um miúdo de 5 anos.
Últimos aspectos
Gantz assume uma condição que lhe dá um toque radical, algo sustentado pela sonoridade da própria Opening.
Quanto a mim a animação, o grafismo e todos os demais elementos funcionam mas sem nada de transcendente. Não existe nada por aí além que nos faça abrir a boca de espanto perante algo totalmente inesperado... pelo contrário, até o próprio final tem o seu quê de previsível, mesmo que não nos dê grande coisa.
Sim, é daquelas séries que faz dispor um conjunto de dados e cria um final relativamente incerto, abrindo uma vasta panóplia de hipóteses e possíveis desfechos que são entregues à criatividade da nossa mente.
Gantz é assim um artista e um daqueles surrealistas, como um Dali ou um Chirico.
No fundo, aquilo que pretendo dizer é que esta animação é daquelas que adquire uma aura enigmática e com um grau de complexidade interessante, não por nos apresentar factos e montar um argumento pesado mas por nos deixar precisamente sem dados. As coisas ali são assim... porque são assim – temos todos aqueles fenómenos inexplicáveis que tendem a manter o nosso interesse pela animação no auge mas em que percebemos que os mesmos nunca terão uma explicação coerente.
Do mesmo modo que o relacionamento das personagens aponta no sentido da morte do personagem principal, é-nos concedida a perspectiva de uma recruta de humanos mortos face a uma ameaça alienígena que, afinal, apenas é despoletada de acordo com a má conduta desses mesmos humanos. E aqui estão apenas duas perspectivas a seco, de onde poderíamos extrair muitas outras opções, como já o pude demonstrar ao longo deste texto.
Gantz tem ainda um seguimento bastante linear não existindo um cruzamento de informação tão profundo nem o cruzar de diversas perspectivas com a densidade de Boogiepop Phantom – o próprio seguimento da história é mais calmo e inteligível sendo o ambiente menos mórbido, enfatizando-se acção e sexo.
Pela sua índole tão inconvencional é um anime que vivamente recomendo dentro do seu género.
Rating - 8/10
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