Dragon Ball

Dragon Ball foi criado por Akira Toriyama e inicialmente publicado enquanto Manga a partir de 1984. Foi enquanto anime conduzido a partir de 1986 por Minoru Okazaki e Daisuke Nishio. Nishio dirigiu sozinho na fase posterior intitulada "Z" e por fim, Osamu Kasai orquestrou a fase designada "GT" concluída a emissão em 1997. A conjunção desta tríade em TV traduziu-se numa emissão original de 508 episódios (153/291/64). Foram ainda lançados vários filmes à margem da história original.


  1. Que melhor crítica para fechar o ano em grande do que tecendo aqui uma abordagem a um dos projectos de animação oriental mais épicos de sempre? Exactamente, a de Dragon Ball! Optei por desmontar este trabalho em alguns pontos, suscitando alguma reflexão sobre os vários elementos constituintes deste trabalho. Mais do que uma crítica bajuladora ou desconstrutiva pretendi relevar uma posição de análise pertinente e para alguns quem sabe senão mesmo interessante.
  2. A história em Dragon Ball tem de facto, muita coisa. Tem torneios, tem dragões sagrados, tem até mesmo extraterrestres. Um destes capaz até mesmo de se tornar no nosso Deus. Tem gorilas gigantes e guerreiros do espaço e tantas e tantas outras coisas estranhas e...diferentes. Mas nem tudo o que é diferente será propriamente apreciado por Akira na plataforma conceptual (já lá irei mais adiante). A verdade é que Dragon Ball principia com uma pequena criança dada às lides marciais rapidamente encaminhada por Bulma numa demanda por um conjunto de artefactos denominados "as bolas do dragão". Dado o mote, toda a trama envereda depois por constantes pelejas que vão evoluindo de estádio em estádio até atingirem um estatuto que jogará no defeso da sobrevivência da própria humanidade ou quiçá até mesmo do Universo.
  3. É então Dragon Ball detentor de uma história sólida, aliciante e bem articulada? Talvez. Mas não necessariamente inventiva, profunda ou de demarcado interesse. É que no meio desta azáfama de elementos dispostos, depressa começamos a descortinar todo um monte de colagens e aproximações a outras histórias bem conhecidas - desde a lâmpada de Aladino (alusão ás bolas de cristal e aos seus desejos) à Excalibur do Rei Artur (espada de Songohan). Ou quem sabe se a sua nuvem mágica não nos remeterá uma vez mais para Aladino e o seu tapete voador? Tendo em conta o contexto histórico pós-Terminator e tendo em conta a "inspiração" do nosso autor em mote, também não me chocaria compreender a saga do Cell com os seus cyborgs e máquinas do tempo enquanto uma saga claramente colada a um dos grandes sucessos cinematográficos de então. Os exemplos são múltiplos e demasiadamente óbvios em alguns casos para que não se questione a dimensão da capacidade de Akira Toriyama em fomentar um trabalho, na sua génese, genuinamente inovador.
  4. O próprio conceito presente nos vilões da série assenta muito na demanda pelo Santo Graal e pela vida eterna. Este é um dos objectivos prioritários dos primeiros vilões em Dragon Ball sendo estes movidos pela ambição; pela procura de mais e maior poder; pelo domínio do Mundo (se acompanhado pela vida eterna tanto melhor). A maioria tentará concretizar as suas ambições através das bolas de cristal. De resto a primeira geração de Dragon Ball incidiu sobretudo numa matriz assente nestas bolas de cristal e nos torneios de artes marciais. Eixo que será sobretudo desmantelado a partir de Namek.
  5. A história segue sistematicamente um padrão: as batalhas são altamente competitivas e arrebatadoras mas existe sempre uma hierarquia e um eixo de evolutividade presente nas personagens. Tanto o Frieza como o Cell ou o próprio Majin Buu atravessam por diversas mutações, sempre crescendo em poder. O mesmo acontece com grande naturalidade na raça dos guerreiros do espaço. É bastante frequente encontrarmos confrontos hierarquicamente dispostos e onde a transição de poder e domínio segue um padrão facilmente disposto.
  6. As personagens usam ainda todos os instrumentos possíveis para adquirirem força, poder e tornarem-se cada vez mais fortes. Desde primeiramente passarem pela influência de vários mestres até entrarem em salas que quebram a lógica do espaço e do tempo até espadas mágicas ou (mais ultimamente) mas de forma sistemática, a fusão entre dois indivíduos, sendo que em várias ocasiões este processo envolveu a absorção definitiva de um indivíduo pelo outro. Piccolo foi o mais frequente utilizador deste último sistema, primeiro com Neil e mais tarde com o próprio Kami, nunca evidenciando Akira Toriyama transformações significativas num individuo aquando da absorção de um outro indivíduo, exceptuando o evidente power up no que toca a Ki. Exemplificando, Piccolo nunca alterou a sua física e a meu ver, mesmo que no imediato demonstrando algumas parcas mudanças, também nunca evidenciou uma miscigenação profunda da sua personalidade. 
  7. As personagens em DBZ são também elas padronizadas, não obstante os processos conceptuais de algumas serem francamente interessantes. Mas temos claramente um Universo machista onde os homens lutam e as mulheres geram e educam os filhos. Bulma sempre foi inventiva e inteligente mas sem capacidade de luta e mesmo Chi-chi ou Videl nunca atingiram um nível de combate minimamente considerável. Acredito que nem a Pan no GT fosse assim tão forte. Existiram algumas poucas excepções, sobretudo nos filmes (recordo-me por exemplo de uma companheira de Bardock) mas em todo o caso se houve uma personagem feminina com alguma capacidade de luta essa foi sem dúvida alguma a C18. Todavia Akira justifica o poder considerável da número 18 formulando-a como um cyborg e como uma construção do Dr. Gero.
  8. Mas se existe um padrão altamente machista na obra de Akira Torihama esse padrão assume ainda maior força quando temos em linha de conta que, ao contrário do que sucede em obras como Sailor Moon ou Saint Seiya (obras com profundos traços yuri/yaoi) DBZ quase que se insurge contra a homossexualidade e aborda-a, de forma subentendida, como algo mau. Assumo isto dentro da minha capacidade de análise como é obvio! Mas a verdade é que muitas das personagens inimigas apresentaram traços efeminados, quer em forma, como em cor, como em voz! Frieza é claramente um dos exemplos mais cabais disto mesmo, assim como o seu pai. Além dos tons de roxo e rosa, os seus lábios carnudos e as suas formas aliaram-se à vocalidade facilmente discernida como homossexual. Mas não foram os únicos, encontro estes elementos padronizados e sistemáticos desde Dragon Ball: quem não se lembra do General Blue da Red Ribbon? Um sujeito elegante, bonito e efeminado? Ou o que dizer de Zarbon? Também este último primeiramente esteticamente admirado por uma Bulma mas cuja roupa, brincos e expressividade nos voltam a remeter no conceito que tento aqui evidenciar. A saga de Namek foi de resto repleta disto mesmo e talvez mais facilmente inserida por Akira através de uma desculpabilização alienígena, onde o processo conceptual poderia obviamente adquirir maior margem de manobra sem tornar de resto este padrão excessivamente óbvio: Dodoria por exemplo, também ele cor-de.rosa, com uns lábios roxos e carnudos e talvez sobretudo o próprio esquadrão “G” das forças especiais do Frieza envergando um grupo de cores e de poses mas destacando-se sem dúvida alguma o seu líder, Guinot, uma vez mais vincado ao roxo e a traços reconhecidamente menos masculinos. A concepção do próprio Cell, de Buu ou de Frieza assenta na transformação do seu corpo, todos eles dotados de uma essência mutável, quase que diria mesmo, transgénera e anti-natura. Buu dentro desta lógica foge em termos comportamentais aos seus antecessores mas não foge nem no último ponto referido…nem na cor. Akira erige Dragon Ball conceptualmente como uma obra subtilmente educativa, onde o inimigo é sempre mutável, colorido, efeminado – gay. Algo que aliado à anterior componente mais machista logra um fundo muito sui generis. E se os inimigos são cor-de-rosa ou púrpura, e se as mulheres só servem para procriar e limpar panelas e se o centro de toda a engrenagem centra-se num autêntico hino à testosterona e aos seus inerentes combates…poderei eu realmente estar assim tão desfasado da índole conceptual de Akira? – Abstenho-me de o criticar de forma positiva ou negativa, as coisas são como são e este foi com sucesso e independentemente disto, um dos, senão mesmo o melhor anime da minha e da infância de milhões de indivíduos.
  9. A narrativa como já disse vive de corte e costura, ainda que não descurando alguma originalidade: desde as cápsulas da corporação do pai de Bulma aos habitantes da Terra, desde aqueles que possuem três olhos até àqueles que usam cauda, focinho e orelhas de raposa. Mas é a meu ver uma narrativa sem profundidade, frágil, pouco articulada e pouco dada ao desenvolvimento existencial das suas personagens. O próprio Songoku é uma figura cativante pela sua simplicidade e índole descontraída mas mesmo assim não foge ao latente toque da superficialidade. A história é sem dúvida alguma pobre e vulnerável quando comparada a trabalhos como Evangelion. O que nos faz então tanto gostar deste anime?
  10. Eu diria que, mais do que a própria animação, a sua dinâmica de animação! Os combates são simplesmente intensos, aliciantes e desdobram-se no ecrã numa sinfonia épica de movimentos, abordagens, resiliência e prolongam-se por entre vários episódios intercalando devidamente a intensidade e a contenção proporcionada por momentos de tensão que nos fazem desejar viver o mais depressa possível o episódio seguinte: Dragon Ball foi exímio nesta arte! Na sua acção fazia-nos alhear do mundo, perder a noção do tempo, esquecermo-nos de respirar e sobretudo fazer-nos viver cada um daqueles combates. Por outro lado, exasperava-nos no final de cada episódio com a ânsia de visualizarmos a continuidade e o desfecho de cada querela.
  11. A série foi para o ar durante vários anos (e nem me refiro às incontáveis repetições da sua rodagem na  TV). Escrevo mesmo sobre a sua emissão original e apesar de Dragon Ball poder ser desmantelado em várias fases, existem 3 que são, tal como os vinhos, devidamente regiões demarcadas: Dragon Ball; Dragon Ball Z e Dragon Ball GT. As duas primeiras foram baseadas na autoria de Akira e ambas oferecem uma essência muito semelhante: Dragon Ball é no entanto mais estático, ligeiramente mais infantil também. É dinâmico nos seus combates mas estes são bem mais terra a terra. Dragon Ball Z extrapola tudo isto e intensifica e eleva toda a dimensão das batalhas para fora do ringue. O GT por outro lado volta a adquirir uma aura mais infantil mas perde a meu ver o Norte da navegação para nos oferecer um trabalho que foi, a todos os níveis bem mais pobre. Uma mera sombra de um colosso.
  12. Graficamente, Dragon Ball nem enverga um traço tão aliciante quanto isso. Os desenhos nem sempre são apelativos mas a paleta de cores é vívida e bastante funcional. No campo sonoro os efeitos são condizentes e a OST bastante boa dentro do género. Nenhum destes elementos é na sua individualidade fantástico, mas aglomerados contribuíram para a formulação de uma aura única. Dragon Ball é a meu ver um verdadeiro guilty pleasure das massas: pode ser sectorialmente pobre aqui e ali; pode não apresentar a profundidade da trama presente nalguns seus congéneres; pode não ser nos seus demais componentes transcendente ou superior aos seus adversários mas conseguiu com sucesso arrebatar as audiências globais, sobretudo na esfera ocidental. E isto é suficiente para respeitar e fazer uma vénia a todos os que contribuíram para que Dragon Ball ganhasse forma e expressão. Dragon Ball venceu no mundo da animação pela sua soberba dinâmica presente em combates que exalaram uma duração e uma dificuldade sem precedentes. Por tudo isto um muito obrigado ao anime que fez parte indubitável da minha infância!

-9-

Ponyo on the Cliff by the Sea


(2008) - Realização de Hayao Miyazaki.

  • A temática central mantém-se mas adquire um estádio distinto desta vez: apesar do grande mestre elevar de novo como mote a aproximação à mãe-natureza fá-lo desta vez numa abordagem marítima o que por seu turno possibilitou toda uma nova aplicação multicolor de arregalar os olhos: os cenários são coloridos, vivos, envolventes e dinâmicos. Ponyo é visualmente fantástico, exuberante em forma e cor ascendendo neste campo talvez como um dos maiores baluartes de Hayao Miyazaki.
  • Surge de novo a emancipação em jogo mas de forma diferente formulando-se sob tracejado inocente um compromisso, uma relação inocente mas resoluta onde os indivíduos se emancipam face aos seus pais e ao tecido familiar transacto. Acaba por ser também uma viagem e muitos são os elementos e conceitos inseridos em Ponyo, repescados de outros trabalhos: o próprio túnel que principia a viagem onírica de Chihiro encontra-se deliberadamente presente. A narrativa de resto é linear, ainda que dispondo inteligentemente pormenores do quotidiano providenciados pelo habitat enunciado, neste caso o de uma povoação costeira surgindo à tona detalhes de avultado interesse como a capacidade dos pescadores de algumas embarcações comunicarem entre si ou com a plataforma terrestre através da luz. Encontra-se também presente a habitual mensagem/crítica face à negligência do homem e mesmo violência e desrespeito face à natureza e meio envolventes.
  • Continuamos a encontrar aquela vertente “fofinha”e aquele travo a inocência de outros trabalhos como My Neighbour Totoro mas em termos de andamento da narrativa temos uma dinâmica que se quedará para mim ligeiramente atrás de trabalhos predecessores (mesmo considerando metáforas e a cena fantástica já perto do final onde o realizador nos confronta com a morte e nos demonstra como a fantasia consegue ser maravilhosamente transcendente mesmo na interpretação de um conceito tão taciturno). Falo ao nível da narrativa: excêntrica, tutelada pelo olhar de uma criança e talvez por isso mesmo mais linear e falo também ao nível da construção de personagens, às quais escapa a dimensão de uma Chihiro ou de um Totoro. Relativamente à dinâmica da animação essa sim está sublime, cheia de movimento, ritmo e cor sobretudo quando a tela foca a acção no mar.
-10-

Only Yesterday


Obra de Isao Takahata. 1991.
  • A protagonista corta a sua rotina com a cidade por algum tempo, encetando uma aventura no campo e acaba por entrar em processo de reminiscência relativamente à sua infância. Poderíamos pensar à partida tratar-se de um filme aborrecido (uma personagem que decide viajar para o campo…uau!) Mas não! A construção da protagonista está, em todos os sentidos, irrepreensível! A carga realista da narrativa é impressionante! No fundo, Taeko próxima dos seus 30 anos, encontra-se estável: a sua vida parece encaminhada e esta parece estar preparada para receber a felicidade e a realização que lhe está reservada mas que por alguma razão não acontece – Taeko afasta-se então da cidade e então embrenhada no campo, recebe estímulos que a levam a recordar pequenos momentos na sua infância que aos olhos dos adultos são pouco relevantes mas que aos olhos de uma criança poderão ser tudo! A cena em que Taeko saboreia pela primeira vez um ananás (fruta exótica para o Japão desta altura) é absolutamente (e tal como o ananás) deliciosa! Curioso também que todos os adultos que vivenciaram aquela experiência consideraram aquela fruta pouco doce e uma assumida desilusão…Taeko enquanto criança era provavelmente a mais receptiva a uma novidade daquele género. 
  • Takahata faz-nos ver que a nossa essência, aquilo que realmente somos, permanece connosco nas várias fases da vida mas mostra-nos também a potencialidade das escolhas, das hipóteses com que nos deparamos na vida, nos caminhos e naquilo que a vida poderia para nós ser. Tudo isto, ladeando várias cenas onde vislumbramos a negação de possibilidades ou de sonhos não deixa de acompanhar uma latente nostalgia. A protagonista é ainda dotada de uma índole doce, o que reforçará o apelo a uma aproximação da audiência.
  • Parece-me existir alguma critica à educação parental por vezes mais rígida: a potencialidade existencial da personagem foi sistematicamente limitada de forma negligente pelos seus pais. Curioso que a trilha começa com o seu núcleo familiar ávido por a encaminhar nas suas pretensões e é a independência da rapariga e a sua livre capacidade de escolha que lhe ditará um futuro mais risonho. Este percurso terá no entanto um desfecho ao qual ninguém deverá falhar.
-10-

Hadashi no Gen


Dirigido por Mori Masaki em 1983.
  • Tecnicamente mais frágil do que trabalhos mais recentes mas ainda assim um grande trabalho gráfico, com rasgos de um nível artístico absolutamente magníficos. A animação que retrata o Enola Gay e o bombardeamento de Hiroshima está simplesmente fantástico. Diria mesmo que uma das cenas de animação mais inventivas e ao mesmo tempo horripilantes que já pude experienciar no mundo da animação!
  • A narrativa parece uma matriz ancestral de Grave of Fireflies, com uma história centrada numa criança em contexto de Segunda Guerra Mundial sendo que o seu duelo por sobreviver e as suas perdas familiares são capazes de nos agarrar com bastante facilidade.
  • Não gostei no entanto a titulo mais pessoal de algum do trabalho desenvolvido pelos actores em si…sobretudo Gen, o qual me pareceu pouco credível em alguns cenários e muito, muito irritante noutros momentos sendo que a projecção e enlevo dramático de alguns momentos foram contrabalançados pelas “falas” de Gen. Ainda assim e por uma outra via, serviu pelo menos para desanuviar e não permitir uma condensação dramática de um nível mais próximo de nos lavar em lágrimas. Mesmo assim, para muitos será tarefa ingrata aguentá-las.
-10-

5 Centimeters per Second


De Makoto Shinkai, em 2007.
  • Uma película pequena, rondando apenas os 60 minutos e cujo enredo se parcela em 3 capítulos distintos ainda que com pontos de articulação. A história revolve sobretudo em torno de duas parelhas românticas e envolve conceitos nevrálgicos a uma formulação amorosa entre dois indivíduos: tempo, espaço, idades, personalidades, sonhos e sentimentos. E por entre estes elementos formula um jogo de separação entre as personagens, com vários níveis distintos.
  • O primeiro capítulo principia com duas personagens na génese da sua adolescência e como tal sentem agora transformações profundas a acontecer. Não somente nos estudos e nas escolhas determinantes que agora são obrigados a tomar mas sobretudo nos sentimentos novos, misteriosos, intensos e correspondidos mesmo que à distância pela sua cara-metade. A exploração deste romance finaliza com um derradeiro assumir deste sentimento mas também com uma maturidade notória onde percebem que existirá sempre uma distância pelo meio e demais barreiras que tornarão aquele envolvimento limitado ou mesmo finito a dada altura nas suas vidas.
  • O segundo capítulo apresenta-nos uma outra parelha, também repleta de escolhas adiante mas neste segundo caso os sentimentos não são correspondidos na sua plenitude, existindo uma consciência disto mesmo ainda que a percepção desta realidade seja insuficiente a Sumida para superar o sofrimento que daí advirá. O terceiro capítulo avança no espaço e no tempo e gera pontos de articulação entre os dois primeiros capítulos revelando como as personagens protagonistas avançaram com os seus projectos, com as suas vidas mas aproveita para deslindar o véu ao sofrimento e frustração que poderosos sentimentos como o amor podem acarretar, demonstrando também o impacto de um primeiro grande amor. Uma obra que contém uma narrativa pragmática, madura, com um desenvolvimento rápido e apresentando personagens e percursos excelentes na captação da atenção por parte do público.
-8-

Tokyo Godfathers


Conduta sob a parceria de Satoshi Kon e de Shôgo Furuya, de 2003.
  • Satoshi kon de novo a mostrar cartas e a contribuir num trabalho absolutamente revigorador, inventivo, com orientações humorísticas e dramáticas habilmente articuladas.
  • O enredo principia com um conjunto de sem-abrigos: um homossexual que se veste como uma mulher, um homem atormentado por um passado de jogo e abandono de familiares e uma jovem menor que esfaqueou o próprio pai, no seguimento do desaparecimento do seu gato. Estes três indivíduos irão encontrar um bebé abandonado e a partir deste momento a narrativa mantém uma rota assumidamente aleatória, fundamentada em coincidências e acontecimentos totalmente inesperados.
  • Tokyo godafthers é uma obra inteligente, capaz de nos remeter genuinamente num turbilhão de emoções onde o humor será o seu vórtice mais proeminente. Todo o demais conjunto de elementos e características encontra-se habilmente conduzido: um traço carismático; uma paleta de cores ajustada; uma banda-sonora contagiante e sobretudo personagens condignamente construídas, expressivas e também bem defendidas pelos actores que lhes deram alma e voz. Em Tokyo Godafthers a sorte e o azar disputam uma roleta russa de cortar a respiração – um verdadeiro must see.
-10-

Tekkonkinkreet


Dirigido por Michael Arias em 2006.


  • Artisticamente deslumbrante! Um traço fluído, dinâmico e audacioso. Transporta em si um mundo cheio de vida, de cor, tanta cor e por vezes tão vibrante que nos sentiremos diante de um espectáculo psicadélico. O traço das personagens é assumidamente oriental, assumindo a sua origem na plenitude - personagens essas que parecerão esteticamente pouco apelativas a um primeiro relance mas que acabarão a seu tempo por nos conquistar.

  • A narrativa circunscreve-se em torno de uma cidade imensa mas também frígida e corrupta e é neste contexto que introduz dois “gatos selvagens”, duas crianças que vivem nas ruas sendo que uma enverga a alcunha de “white” e a outra a alcunha de “black” - será este contraste a charneira de todo o enredo: a vida de uma criança de rua será naturalmente difícil e a cidade, representativa da sociedade, consegue ser bastante insensível e virar um verdadeiro inferno. Mas estes dois rapazes complementam-se e a sua amizade encontra um ponto de equilíbrio capaz de encontrar harmonia e de tornar possível uma vivência feliz dentro de uma conjuntura tão adversa. A partir do momento em que os rapazes são separados, a harmonia estilhaça-se e a narrativa faz-nos mergulhar na profundidade existencial destas duas personagens, fazendo-nos olhar bem adentro destas e observar o abismo que alastra e se prepara para as devorar. Do mesmo modo que o branco precisa do preto, o preto precisa do branco; a luz gera sombras e as sombras existem através da luz; para o conceito do "bem" existir e ser reconhecido terá sempre de existir também um "mal" a contrabalançar. A fusão dos dois gera uma espécie de harmonia suspensa.

  • A narrativa é a meu ver sólida, profunda e oferece-nos linhas emocionais que vão por exemplo, desde a nostalgia à sensação de corrupção, ao drama ou à amizade. Trata-se de uma obra muito bem-vinda ao mundo da animação, exalando originalidade.


  • -10-