Princess Mononoke - 1997


Título Original: Mononoke-Hime
Origem: Japão
Género: Fantasia; Aventura.
Director: Hayao Miyazaki
Autor: Hayao Miyazaki
Estúdio: Studio Ghibli.
Exibição Original: 12 de Julho de 1997.
Duração: 134 minutos.

"You cannot alter your fate... however...
you can rise to meet it."

Se Neon Genesis Evangelion esteve para a televisão na década de 90, então Princess Mononoke esteve para o cinema - e assim poderíamos iniciar esta nossa apreciação.

E porquê, perguntam?
E a isto responderei, Recepção.

Esta palavra será suficiente para justificar a minha primeira frase. Sobretudo se atentarmos na reunião de massas em torno da película: até à estreia de Titanic, Mononoke-Hime terá constituído o maior sucesso de bilheteira na história do cinema no Japão. E não bastasse isto, rezam por esta obra os próprios anais da crítica mundial considerando Princess Mononoke como o melhor anime da década, ombreando precisamente com Evangelion.

Em termos de galardões, esta película fez história vencendo a 21ª edição dos Japanese Academy Awards arrecadando várias categorias, incluindo a principal (Best Picture). À margem deste estrondoso triunfo para o anime na sua afirmação interna enquanto arte maior, a obra arrecadou ainda inúmeros outros prémios, sobretudo em festivais e sendo obviamente reconhecido e consagrado pelos orgãos restritos ao anime em si. Atestem-no o Anime Grand Prix (Animage) ou o Animation Kobe. Em 2008, a Empire Magazine's cotou Princess Mononoke como um dos 500 melhores filmes de sempre ao nível mundial.

Enredo

Era Muromachi. O Japão vivia um tempo de revolução abarcando várias transformações nas mais diversas esferas. O Homem conquistava o seu espaço assumindo cada vez mais a sua incapacidade de coexistir em harmonia com as outras entidades - refiram-se as feras e os deuses enquanto as primordiais.
A clivagem alastra ao ponto de atingir colateralmente povoações mais periféricas. Acaba por ser o caso da aldeia dos Emishi, alvo de um Deus-Javali tomado por um âmago de vendetta. É neste contexto que surge Ashitaka, um príncipe local que no defeso dos seus acaba por eliminar a ameaça, custando-lhe isso uma terrível maldição. Inconformado com o destino ou na demanda pela realização do mesmo, Ashitaka parte almejando sanar a maldição.

No caminho encontra vários caracteres determinantes e acaba por invariavelmente intervir nas diversas batalhas que encontra. San, a princesa Mononoke é a que mais acaba por marcá-lo, passando o príncipe a amá-la e compreendendo na jovem rapariga, adoptada por lobos e educada em ódio contra a própria raça, mais do que o seu aspecto primariamente violento.
No contexto em que Ashitaka encontra San, este encontra igualmente Lady Eboshi, senhora de Iron Town onde se promove uma aparente industrialização que de forma a obter riquezas minerais, ameaça os fundamentos da floresta, dos animais e dos próprios deuses.

Num balanceamento incerto e ambíguo, o príncipe terá de no fim optar por um dos lados em querela e com isso encontrar o verdadeiro motivo que terá promovido a sua maldição e dotado de uma missão que colherá frutos no curso da guerra.

Aos que procuram bem ou mal, terão o trabalho um tanto ou quanto dificultado em alguns momentos no curso da trama para agrado dos produtores deste trabalho - pois ambos os conceitos existem por entre acções e significados ambíguos.

Aprofundando um pouco mais:

Princess Mononoke retrata o confronto entre a pólvora e o metal.
Ponto.
Miyazaki escolheu um contexto propício ao bosquejar de diversas facções - desde as mais míticas, indo de encontro às próprias crenças culturais, aos fenómenos um pouco mais fantasiosos mas nunca descurando nestes uma vertente histórica onde recorre a metáforas e a demais personificações, conseguindo convenientemente elevar e testar vários cenários de guerra estruturalmente dotados de uma irrepreensível sobriedade.

Miyazaki descreve a chegada de um novo tipo de postura militar, assente num poder de fogo e num estilo de combate à distância que se opõe com demarcada eficácia ao tradicional confronto directo, destronando arco, lança, espada e derivados. Algo que constitui naturalmente uma ameaça aos típicos sistemas de combate manobrados pela infantaria ou pela cavalaria. Atentem para o efeito na milícia de Iron town que facilmente consegue resistir a exércitos em número muito superior, desde que contando com o seu engenho revolucionário assente numa fortificação elevada.

A concepção dos novos materiais incidindo mesmo na simulação dos seus métodos produtivos são uma mais-valia a este trabalho. Anexando a estes aspectos logísticos os vectores directos que as batalhas abarcam - quer sejam armadilhas; emboscadas; a estruturação das frentes de batalha; as manobras de envolvimento ou a simples divisão de forças do inimigo - obtemos uma abordagem onde consistente e verosímil são meros adjectivos que não conseguem fazer justiça à genialidade de Miyazaki.

Este anime transporta-nos sem dúvida para um confronto muito particular, evidenciando uma realidade e uma lógica de guerra que extravasa em muito os limites de uma simples animação.
São testadas várias situações de batalha como supra mencionei mas até mesmo a realidade política não é desprezada existindo manifestos indícios da existência de um imperador de poder relativamente dividido diante dos senhores feudais. Está também aqui demarcado um sistema político que terá obviamente impacto na própria trama não fosse o imperador também homem: notem que o seu séquito confrontado com a emergência de um novo poderio, terá como instinto primário o ataque a esse poder (potencial ameaça) e posse do mesmo.
Não caiam no erro de, com tudo isto, imaginarem uma película austera, realista, metódica e desprovida de fantasia pois certo é que dela muito terão a receber em Princess Mononoke - não fosse esta o baluarte adequado ao envergar de um papel metafórico tanto em significado como em utilidade no cerne de toda a trama.


Em fase de conclusão, imaginem então uma industrialização crescente que vai devorando e enfraquecendo o espaço florestal que, ameaçado encontrará forma de manobrar uma épica resistência à insensibilidade humana. Terão exércitos personificados dotados de uma lógica de combate bem arquitectada e poderão mesmo observar o quanto toda esta problemática vos parecerá próxima de uma verdadeira resistência zulu à invasão da velha senhora inglesa.
Aos que estejam mais por dentro de alguns dados históricos referentes aos descobrimentos europeus, poderão esses atentar nos idênticos métodos de implantação perpetuados pelos primeiros, beneficiando e explorando no terreno as rivalidades entre as próprias tribos e senhores locais de forma a adquirirem vantagem. Ao redigir isto, estou claramente a invocar a investida do imperador contra Lady Eboshi, utilizando contra esta os antigos poderes locais ameaçados.
Que melhor forma de enfraquecer um inimigo do que incitá-lo a um dispêndio de forças com um outro inimigo?
Princess Mononoke reflecte magistralmente, entre outros aspectos, a chegada do Homem a um sítio que não domina e a sua agressividade na implantação que passa a promover.

Uma última nota para James Cameron.
É que se antes vi em Ghost in the Shell um óbvio ponto de apoio para os irmãos Wachowski na concepção de Matrix, então tenho-vos a dizer que do mesmo modo Cameron viu em Princess Mononoke uma fonte credível para o elaborar do seu Avatar.
Não só a lógica de implantação é muito similar como em determinados momentos, os próprios cenários e a sequência de cenas em si transportar-vos-á de imediato para a obra de James Cameron.

Deixo-vos por fim com uma consideração do criador deste magnífico trabalho:

"Ashitaka is not a cheerful, worry-free boy. He is a melancholy boy who has a fate. I feel that I am that way myself, but until now, I have not made a film with such a character. Ashitaka was cursed for a very absurd reason. Sure, Ashitaka did something he should not have done - killing Tatari Gami. But there was enough reason to do so from the humans' viewpoint. Nevertheless, he received a deadly curse. I think that is similar to the lives of people today. I think this is a very absurd thing that is part of life itself."
—Hayao Miyazaki

Rating - 10/10

2 comentários:

  1. Muito bom texto, sem dúvida. Já tinha visto o filme em Março, segundo creio. Recentemente vi O CASTELO NO CÉU e não sei se não será dos meus favoritos do cineasta! Já o viste?

    Desejos de um Feliz e Próspero Ano Novo!

    Cumps.
    Roberto Simões
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  2. Obrigado, é sempre bom ler isso de ti! :)

    Acabaste por ver o filme primeiro que eu... só o visualizei em Novembro, se bem que já o tinha visto há uns anos na RTP embora não na totalidade e não com a vontade de agora, reconheço...

    Eu do Miyazaki vi 3 há bem pouco tempo: primeiro o Howl's Moving Castle, depois o Spirited Away e agora o Princess Mononoke. O Castle in the Sky, o Nausicaa of the Valley of the Wind e o Ponyo já os tenho a postos para ver, algo que espero fazer muito em breve...

    No caso do Castle, pelo trailer, acredito que seja daquele tipo de filmes que são capazes de nos fazer acreditar em algo melhor, espero que esta primeira noção à queima-roupa se confirme!

    Feliz Ano Novo, Roberto! E que continues o bom trabalho no CINEROAD, eu vou andar mais atento a partir de agora ;)

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